17 de Setembro de 2021
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INTIMAÇÃO DE MULHERES GRÁVIDAS DE FORNOS DE ALGODRES
Hoje divulgamos o documento “intimação de mulheres grávidas de Fornos de Algodres” (Cód. Ref.: PT/ADGRD/ACD/GC/K/002/00002), do fundo do Governo Civil da Guarda.
Trata-se de um documento que foi produzido pela Administração do Concelho de Fornos de Algodres, entre 1874 e 1877, e que contém o registo das mulheres grávidas, solteiras que ficavam intimadas para apresentarem os fetos às autoridades administrativas locais. Pode ler-se no primeiro registo:
«(…)sendo confirmada a sua gravidêz de pouco mais ou menos de oito mêses, ficou intimada para apresentar o feto, que dér á luz à autoridade administrativa local (…)».
De acordo com Lopes (2016), as “ações fiscalizadoras” sobre mulheres grávidas remontam ao início do século XVII, com as Ordenações Filipinas a ordenarem «(…) aos quadrilheiros que informassem as justiças das mulheres prenhes de que “se suspeite mal do parto, não dando delle conta”» (p.1). Embora não houvesse aqui a intimação e o cadastro das mulheres grávidas não casadas, havia já uma ação fiscalizadora após o parto, havendo suspeita do desaparecimento do recém-nascido.
Em 1806, através do alvará de 18 de outubro, reiterou-se esta ordenação e segundo Lopes (2016), embora não estivesse expresso no texto de forma clara, o mesmo forçava as autoridades a arrolar essas mulheres antes do término da gravidez:
«Sou servido suscitar a observancia da Ordenação do Reino, Livro primeiro, Titulo setenta e tres, paragrafo quarto, e Determinar que as Justiças effectivamente obriguem as mulheres solteiras, que se souber andarem pejadas, a dar conta do parto; e a criarem o filho sendo possivel; ou a todo o tempo que souberem dos Pais, a pagarem a criação, e tomarem conta de seus filhos; no que se haverão as Justiças com toda a discrição, e segredo, para evitarem qualquer má consequencia»*
O período de instabilidade gerado pelas invasões francesas e pelo movimento liberalista levou a que só na 2ª metade do século XIX as intimações às grávidas se tornassem «prática corrente, promovidas e executadas pelas autoridades administrativas distritais e concelhias. Visava-se com esta atividade controladora reduzir despesas, diminuindo o número de expostos, impedir infanticídios e moralizar os comportamentos» (Lopes, 2016, p.2)
Assim, o decreto de 21 de novembro de 1867, que substitui as rodas dos expostos por hospícios, vem de determinar, também, no art.º 5.º que:
«As auctoridades administrativas em cada parochia civil têem rigorosa obrigação de intimar ou fazer intimar as mulheres não casadas, gravidas não recatadas, para darem conta do parto e crearem o filho. Se estas não cumprirem a intimação, as mesmas auctoridades farão as indagações necessarias a fim de descobrir se houve crime, e havendo-o, procederão nos termos da legislação penal respectiva, conforme a natureza do crime. Se não se verificar a existencia de algum d’aquelles crimes, a mulher intimada que não der conta do feto será punida nos termos do artigo 489.° do codigo penal. (…) Em cada parochia haverá um registo confidencial para os casos declarados n’este artigo.» (p. 886).
Em março de 1868 é revogado este decreto retornando-se à lei de 1806. Não obstante, segundo Lopes (2016), as Juntas Gerais de Distrito, com enormes poderes na matéria foram introduzindo reformas, muitas delas decretadas em 1867, como a intimação da mulheres grávidas.
Fontes:
*Portugaliae Monumenta Misericordiarum, Vol. 7, Lisboa, U.M.P., pp. 87-90. Silva, António Delgado da, Collecção da Legislação Portugueza desde a ultima compilação das ordenações. Legislação de 1802 a 1810. Lisboa: Typografia Maigrense, 1826, pp. 414-418
Collecção Official da Legislação Portugueza: anno de 1867. Disponível em https://legislacaoregia.parlamento.pt/Pesquisa/Default.aspx?ts=1
Lopes, M. A. (2016). Mães solteiras entre a repressão e os apoios do Estado: intimações, subsídios e abandonos no distrito de Coimbra, 1850-1890. In Araújo, Maria Marta e Pérez Álvarez, María José (coords.), Do silêncio à ribalta. Os resgatados das margens da História (séculos XVI-XIX), s.l., Lab2PT, 2016, pp. 37-54. Disponível em https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/31269/1/Lopes%2c%20M.A.Maes_solteiras_entre_a_repressao.Texto.pdf